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Memoir

Ambassador Marcos de Azambuja, in memoriam

His Son's Recollections

Abstract

A tribute by Pedro Castrioto de Azambuja to his father, Ambassador Marcos Castrioto de Azambuja, who was an emeritus advisor at the Brazilian Center for International Relations (CEBRI), former Secretary-General of the Ministry of Foreign Affairs (1990–1992), and Brazil’s Ambassador to France (1997–2003) and Argentina (1992–1997).

Keywords

Marcos de Azambuja; memory; diplomacy
Ambassador Marcos de Azambuja.

Recebi um telefonema no meio da tarde, hora Londres, com a notícia da morte do meu pai. Fiquei num estado difícil de descrever com precisão. Cada um reage de uma maneira a semelhante notícia. 

Passados uns dez minutos, olho para o computador para ver os mercados. Tudo começou a subir de uma maneira expressiva e repentina. Pensei: já chegou no céu, foi diretamente ao Palácio do Governo Celestial, conseguiu uma audiência com Nosso Senhor, fez alguns comentários perspicazes sobre a situação política na Terra, contou umas piadas e aproveitou para pedir a Deus que me ajudasse. Recentemente, quase todos éramos perdedores, e os mares, tempestuosos. Logo depois vi que havia uma explicação alternativa. Mesmo assim, decidi ficar com a minha versão dos acontecimentos.

Escolhemos a foto do programa [para a despedida] por várias razões: a expressão que se vê é muito característica; alguns lembrarão dele nessa época, outros poderão ver uma pessoa que desconheciam. Além disso, ele está lendo de forma serena e compenetrada. 

Embaixador Marcos de Azambuja. Foto de arquivo pessoal da família.

A leitura era provavelmente a sua atividade favorita. Havia uma história segundo a qual uma vez encontrou-se sem nada para ler. Então teria visto um catálogo telefônico e pôs-se a lê-lo. Parece que descobriu que o porta-aviões Minas Gerais tinha um número no catálogo. Provavelmente porque nunca saía ao mar. Era o tipo de observação que só ele faria.

Vivi com o meu pai até os 14 anos. Depois fui para o exterior com 15, e nunca mais vivemos no mesmo país. Apesar disso, conseguimos manter uma relação muito próxima. Foi como uma longa conversa sem começo nem fim. Havia uma enorme afinidade e sintonia. Existia um verdadeiro prazer mútuo nessa conversa.

A inteligência dele era tão evidente que nem vale a pena elaborar sobre ela. Mais interessante para mim era o virtuosismo da palavra, a capacidade de oratória, o sentido de humor e o que os espanhóis chamam de don de gentes – a capacidade de seduzir e estabelecer um rapport imediato com o próximo. O humor e o don de gentes eram características que provinham de sua brasilidade. São características comuns brasileiras. Só que nele eram muito acentuadas.

Em certas culturas, como a inglesa, o humor é muito prestigiado. Dizer que alguém tem wit é fazer um elogio vários graus acima de dizer que alguém é apenas inteligente.  

Junto com o humor havia um grau de ironia e sarcasmo. Essas coisas costumam ser um pacote. Ele veio a uma formatura minha em Boston. Na cerimônia havia uma bandeira do Brasil hasteada em minha homenagem. Eu era o único brasileiro na turma de uns 750. Ele notou, ficou orgulhoso e disse: “aproveita esta bandeira hasteada em sua homenagem, será a primeira e última vez que isso acontece”. Aconteceu há 40 anos. O pior é que até agora a profecia continua sendo verdade.

Meu pai viveu a vida com grande intensidade, alegria e entusiasmo. Acredito que seus 90 anos equivalem a 120 de uma pessoa normal pelo índice de aproveitamento do tempo. Todo dia era bom. Nunca o ouvi queixar-se de nada. Sempre otimista e positivo. Para ele, quem não entendia o privilégio de estar vivo era, em última análise, um idiota. A tal ponto que lhe custava ter verdadeira empatia pelos que vivem atolados na tristeza.

Sorte. Ele gostava muito da história que Napoleão sempre perguntava se os seus potenciais generais tinham sorte além da requisitada habilidade marcial. A moral da história é que a sorte era determinante.

Meu pai teve muita sorte. Sorte de escolher a carreira perfeita, sorte de ter tido quase todo o êxito que podia ter tido dentro dessa carreira, sorte de representar o Brasil em Buenos Aires e Paris como embaixador de um presidente com quem ele tinha grande afinidade.

Resumindo: acho que houve um ingrediente mágico na sua vida. O resultado era que emanava uma luz que atraía as pessoas a ele. Herdar uma grande fortuna deve ser uma grande consolação. Herdar um bom nome é um privilégio.

Encerro citando duas frases do poema Mar Português de Fernando Pessoa:

Valeu a pena? Tudo vale a pena 
Se a alma não é pequena.

Recebido: 17 de junho de 2025

Aceito para publicação: 18 de junho de 2025

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