“A guerra russo-ucraniana: impactos sobre a segurança regional e internacional”, de Cristiane Lebelem & Rafael Duarte Villa, publicado na terceira edição da CEBRI-Revista, chama a atenção, antes de tudo, pelo título. “Guerra russo-ucraniana” é um nome burlesco, cujo alicerce encontra-se na primeira parte do artigo, que se propõe a descrever “as recíprocas ameaças russo-ucranianas”.
Não há guerra na Rússia. Há uma guerra russa na Ucrânia, que é uma guerra de agressão voltada para a conquista territorial. É uma guerra imperial, destinada a modificar fronteiras internacionais pela força. O artigo mencionado, porém, sugere tratar-se de uma guerra travada pela Rússia por motivações defensivas. É impossível deixar de assinalar que, nesse passo, faz-se eco às alegações de Vladimir Putin.
Na mesma edição da CEBRI-Revista, o artigo “Rússia versus Ucrânia em 2022: tentativa de análise e apredizado”, de Eugenio Diniz, que se propõe a interpretar a campanha militar russa, esboça conclusões contrastantes com as dos principais analistas ocidentais. O artigo sugere que as conclusões criticadas, que realçam os fracassos das forças invasoras russas, são algo próximo a propaganda de guerra.
Não se deve afastar a priori tal hipótese. Contudo, patentemente, a crítica de Diniz ignora a sequência de eventos mais relevantes do conflito militar, que confirmam as interpretações predominantes no Ocidente.
A OTAN como bode expiatório
John Mearsheimer (2022) escreveu para a The Economist um artigo que atribui à expansão da OTAN a responsabilidade principal pela segunda invasão russa da Ucrânia, em fevereiro de 2022. Moscou estaria reagindo à sensação de insegurança provocada pela adesão à aliança militar ocidental de diversas nações que, durante a Guerra Fria, pertenceram ao bloco soviético.
A hipótese de Mearsheimer é recepcionada pelo artigo de Lebelem & Villa, que a reforça mencionando o “fornecimento de armas e de treinamento militar por parte da OTAN à Ucrânia” e a presença de forças militares da OTAN na Europa Oriental “antes mesmo de que as tensões entre os dois países tivessem ganhado contornos de guerra”.
Há muito a se discutir no argumento central. Durante a Guerra Fria, a OTAN não invadiu país nenhum, ao contrário do Pacto de Varsóvia, que promoveu as invasões da Hungria (1956) e Tchecoslováquia (1968). A expansão da OTAN, a partir do final da década de 1990, decorreu essencialmente das pressões pela adesão dos países do antigo bloco soviético, que sempre temeram o expansionismo imperial russo. Hoje, por motivos similares, diante da guerra deflagrada por Moscou, formou-se um consenso político na Suécia e na Finlândia pela adesão à OTAN.
No ponto de partida de sua expansão, em 1997, a Aliança Atlântica firmou um compromisso com a Rússia pelo qual garantia que não seriam deslocadas forças militares importantes para seus novos integrantes – uma garantia honrada até a atual invasão russa da Ucrânia (OTAN 1997). Não é fácil sustentar a alegação putinista de uma ameaça existencial à Rússia posta pela OTAN
A natureza e a evolução da OTAN devem, porém, ficar para outra oportunidade. Mais relevante, aqui, é destacar que as sentenças do artigo destinadas a dramatizar a hipótese de Mearsheimer passam ao largo de “detalhes” históricos cruciais:
1) Os orçamentos de defesa e as forças militares dos países europeus da OTAN decresceram drasticamente após o final da Guerra Fria, inclusive durante a expansão da aliança militar para o leste – e não se recompuseram nem mesmo depois da primeira invasão russa da Ucrânia, em 2014;
2) A candidatura da Ucrânia à OTAN, expressa em 2008, permaneceu congelada pela Aliança Atlântica, basicamente devido à resistência da Alemanha e da França;
3) O fornecimento de ajuda militar e treinamento à Ucrânia só ganhou um discreto impulso depois da primeira invasão russa da Ucrânia, em 2014.
A história da guerra de agressão russa não começa em fevereiro de 2022, mas em 2014, na esteira da revolução popular ucraniana, quando Moscou invadiu militarmente e anexou a Crimeia – e, ainda, forneceu apoio militar direto à implantação de enclaves separatistas no Donbass ucraniano.
Segundo a versão putinista, a invasão russa de 2014 teria sido uma reação a um golpe de Estado urdido pelas potências ocidentais contra o governo pró-russo da Ucrânia. A Revolução Russa de 1917 foi apresentada pelo antigo regime russo como um ato de guerra conduzido por agentes do inimigo externo (a Alemanha). A narrativa sobre o “inimigo externo” acompanhou os levantes populares no antigo bloco soviético em 1989 e as revoltas populares da chamada Primavera Árabe em 2011/2012. No fundo, esse padrão discursivo assenta-se na curiosa noção de que os povos são incapazes de agir autonomamente, servindo como instrumentos inertes de poderes estatais estrangeiros.
Lebelem & Villa parecem acompanhar o diagnóstico putinista acerca da revolução ucraniana de 2014 quando enfatizam que “os EUA apoiaram a derrubada do então governo de Kiev” (2022, 120), como se o dedo da Casa Branca fosse capaz de deflagrar manifestações de milhões de cidadãos num país distante. Desse diagnóstico decorre a conclusão de que a Rússia estaria engajada numa “guerra preemptiva”, destinada à “neutralização de alvos militares de alto valor estratégico”. Seria, sugerem os autores, uma “legítima defesa antecipada para evitar um ataque iminente” (122). As assertivas contrafactuais sobre a origem do conflito em curso funcionam como justificação política (e quase legal) da guerra de agressão.
Guerra por segurança ou guerra imperial?
Lebelem & Villa sintetizam seu diagnóstico tomando emprestada uma passagem de John Herz:
Esforçando-se por obter segurança quanto a tais ataques, os Estados são movidos a adquirir mais e mais poder de modo a escapar ao impacto do poder alheio. Isto, por sua vez, torna os demais mais inseguros e os obriga a prepararem-se para o pior. Como ninguém pode jamais sentir-se inteiramente seguro em tal mundo de unidades em competição, segue-se uma competição por poder, e o círculo vicioso de acumulação de segurança e de poder está instalado (1950,157).
Aqui, Herz praticamente repete o célebre argumento de Hobbes sobre a anarquia do sistema de Estados, fundamento da escola realista de análise das relações internacionais. O recurso dos autores ao nível mais elevado de abstração conceitual é uma ferramenta curiosa, quando se trata do exame das motivações dos atores num conflito militar específico. Basicamente, no caso singular da guerra em curso, o atalho serve para oferecer um envelope teórico à tese da “guerra preemptiva”, em “legítima defesa”. Putin, contudo, explicou seus motivos em termos muito diferentes.
No seu discurso televisionado de 21 de fevereiro de 2022 (Kremlin 2022)[1], o líder russo falou, como sempre, sobre a expansão da OTAN. Seguiu, porém, bem adiante, negando o direito dos ucranianos à plena soberania estatal: “A Ucrânia não é, apenas, para nós, um país vizinho. É uma parte inalienável de nossa própria história, cultura e espaço espiritual.”[2]
Da afirmação introdutória, embarcou numa narrativa histórico-cultural destinada a sustentar a tese de que a Ucrânia não passa de uma região da Rússia cuja autonomia política e administrada teria derivado de um equívoco do regime bolchevique da URSS. Segundo Putin, não existe uma nação ucraniana, mas apenas, nas suas palavras, “a Ucrânia de Vladimir Lenin”.
O tema da Ucrânia não surgiu repentinamente, como um raio no céu claro, nas narrativas imperiais putinistas. Há mais de um ano, em 12 de julho de 2021, o presidente russo publicou um artigo “sobre a unidade histórica entre russos e ucranianos” (Kremlin 2021). O texto começava com a afirmação de que “russos e ucranianos são um único povo – uma totalidade”. Depois de uma longa incursão ideológica pelas raízes culturais e religiosas da Rússia, concluía pela necessidade de restaurar a “nação triune” constituída por Rússia, Ucrânia e Belarus.
Russos e ucranianos são “um único povo”?
Nações, explicou Benedict Anderson, são “comunidades imaginadas”. A reivindicação imperial de Putin choca-se com o nacionalismo ucraniano, que tem profundas raízes históricas. Lebelem & Villa não se propõem a encarar essa complexa discussão – mas, no início de seu artigo, destacam as “raízes culturais” comuns e a “proximidade linguística” para enfatizar o “vínculo existente entre os povos da região” (2022, 113). Nesse passo, citam a frase de Putin, sem colocar-lhe reparos.
De fato, ao anunciar a guerra de agressão, em 21 de fevereiro de 2022, o chefe do Kremlin simplesmente reiterou as justificativas oferecidas no artigo de 2021, desenvolvendo o argumento imperial para a guerra.
A “Rússia histórica”, segundo Putin, sobreviveu na forma da URSS, mas entrou em colapso devido aos “erros estratégicos” dos líderes soviéticos. A Ucrânia, carente de “tradições estatais verdadeiras”, passou a ser controlada por um “agressivo neonazismo” e, em aliança com as potências ocidentais, construiu seu aparato estatal “negando tudo que nos une”, especialmente a “Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Moscou”. Diante disso, só restaria à Rússia reconhecer os enclaves separatistas do Donbass como Estados independentes e deflagrar uma “operação militar especial”.
O lugar de pretexto ocupado pela OTAN no discurso putinista, que já era evidente na hora da deflagração das hostilidades, tornou-se absolutamente óbvio nas semanas seguintes à invasão. Durante a fase inicial do conflito, o governo ucraniano afirmou publicamente que, em nome da paz, renunciaria à sua candidatura à OTAN. A oferta não foi levada em conta. Putin declarou como seus objetivos militares a “desnazificação” e “desmilitarização” da Ucrânia (senhas para a derrubada do governo ucraniano), a ocupação da totalidade do Donbass (províncias de Donetsk e Luhansk) e a criação de uma “ponte terrestre” entre a Rússia e a Crimeia anexada (ou seja, a ocupação das províncias de Zaporizhia e Kherson, no sul da Ucrânia).
A guerra russa na Ucrânia tem como meta, de acordo com Putin, a reconstrução da Grande Rússia (a “Rússia histórica”, nas suas palavras), que abrangeria a totalidade da Ucrânia (além, no mínimo, da Belarus e da Moldávia). Desde junho, quando o conflito militar converteu-se em guerra de atrito nos fronts do leste e do sul, as autoridades de ocupação russa começaram a planejar falsos referendos para a anexação das áreas ocupadas à Rússia. Desses referendos, surgiria a Novorossiya (Nova Rússia) almejada pelos nacionalistas grão-russos.
Os referendos foram antecipados pela derrota militar russa na província de Kharkiv, retomada pelas forças ucranianas na rápida contra-ofensiva de setembro. Putin voltou a discursar, após aquela derrota, oferecendo apoio oficial aos referendos de anexação. A conquista territorial – eis a motivação explícita, reiterada várias vezes, da guerra deflagrada por Moscou.
No Conselho de Segurança da ONU, em 22 de setembro, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken disse: “Um homem escolheu esta guerra. E um homem pode terminá-la. Porque, caso a Rússia pare de combater, a guerra acaba. Mas, caso a Ucrânia pare de combater, a Ucrânia acaba.” (Hansler 2022). Nesse caso, Blinken tem razão.
Em 1994, pelo Memorando de Budapeste, a Ucrânia entregou à Rússia seu arsenal nuclear (Nações Unidas 1994). A Rússia, por seu lado, reconheceu a soberania ucraniana e sua integridade territorial, nas fronteiras estabelecidas após a dissolução da URSS. Hoje, depois dos insucessos de setembro no campo de batalha, a Rússia promove a anexação de novos territórios ucranianos – e ameaça utilizar armas nucleares para evitar contra-ofensivas ucranianas. O nome disso é guerra imperial.
Propaganda de guerra
O artigo de Diniz qualifica a prática da divulgação frequente de informações sobre o conflito ucraniano pelo Ministério da Defesa britânico (MoD) como “um tipo inusitado de atividade” – e vai além, insinuando que seus relatórios constituem algo como propaganda de guerra anti-russa. Para sustentar tal avaliação, aponta alguns possíveis erros de análise cometidos pelo MoD.
De fato, a torrente de informações públicas oferecidas por agências do Reino Unido e dos EUA é inusitada. Contudo, como esclareceram as próprias agências ainda antes do início da invasão, cumprem o propósito de expor ao mundo a campanha de desinformação promovida por Moscou.
Nas semanas anteriores à deflagração da invasão, tais agências desclassificaram as informações sobre as verdadeiras intenções russas. O MoD, em particular, publicou um mapa que descrevia os eixos do futuro avanço das forças russas em território ucraniano, pelo leste (Donbass), pelo sul (Crimeia) e pelo norte (Rússia e Belarus) (Sky News 2022).
Naquele momento, o Kremlin desmentia a intenção de invadir a Ucrânia, qualificando os alertas dos governos dos EUA e do Reino Unido como “histeria ocidental” – uma alegação levada a sério por diversos governos (inclusive o do Brasil) e incontáveis analistas, que recordavam o fracasso das agências de inteligência dos EUA no Iraque, em 2003. Dias depois, porém, as forças russas iniciaram sua campanha militar, seguindo precisamente as rotas cartografadas pelo MoD.
Diniz não menciona nada disso. Assim, omite um acerto colossal do MoD e, ao mesmo tempo, a circunstância que torna compreensível o “tipo inusitado de atividade” das agências de inteligência ocidentais.
O artigo destaca, corretamente, que as agências ocidentais divulgaram amplamente estimativas de perdas de equipamento e baixas das forças russas, mas não das ucranianas. Há lógica nisso: os EUA e seus aliados europeus apoiam a resistência militar ucraniana e, portanto, alinham-se ao silêncio estratégico mantido por Kiev. Contudo, Diniz não tem razão ao concluir que, por isso, passou-se “uma impressão de insucesso das forças russas, que contaminou até mesmo analistas de larga experiência” (2022, 35).
O insucesso militar das forças russas não é uma “impressão”, mas um dado factual, atestado pela longa sequência de eventos que abrangem desde a desordenada retirada dos arredores de Kiev, semanas após o início da invasão, até a vitoriosa contra-ofensiva ucraniana na província de Kharkiv, em setembro. A prova mais palpável do insucesso russo encontra-se no decreto de Putin de “mobilização limitada” assinado após a contra-ofensiva de setembro e acompanhado por ameaças mais ou menos explícitas de uso de armas nucleares brandidas pelo presidente russo, pelo ex-presidente Dmitry Medvedev e por diversos propagandistas oficiosos da guerra imperial.
Num ponto crucial, o artigo declara guerra total aos fatos. Diniz não encontrou “nenhuma evidência” de que “o plano da Rússia seria realizar uma ‘Blitzkrieg’ para tomar rapidamente a capital ucraniana Kiev e impor um governo fantoche” (2022, 36). Segundo ele, isso seria uma apenas interpretação derivada da errônea atribuição da doutrina militar dos EUA à Rússia.
A Rússia deslocou longas colunas de blindados aos arredores de Kiev, tomou subúrbios da capital ucraniana (como Bucha) e tentou sitiá-la. Tudo isso foi registrado em vídeos e fotos. Os registros abrangem as clamorosas falhas logísticas, sumarizadas na coluna blindada russa quase estática que acabou sendo dispersada por emboscadas de infantaria ligeira ucraniana. Também imortalizaram a desordenada retirada russa que deixou um extenso rastro de tanques, caminhões e equipamentos destruídos ou danificados. A prova do plano russo – e de seu estrepitoso fracasso – pertence ao domínio factual, não à esfera das interpretações. Diniz não oferece nenhuma explicação alternativa para aqueles eventos, o que é curioso mas compreensível.
A guerra informacional é, desde sempre, uma dimensão crucial das guerras. Assim, não se discute que informações oriundas de governos aliados da Ucrânia devem ser tomadas com as devidas precauções. Entretanto, no caso, os analistas ocidentais utilizaram fontes diversificadas – inclusive, e principalmente, informações públicas originadas de propagandistas russos da guerra imperial.
A Rússia inseriu nas suas unidades de combate diversos blogueiros militares que pertenceram às forças russas ou aos círculos ultranacionalistas mais ou menos controlados pelo Kremlin. Os relatórios diários do Institute for the Study of War (ISW), por exemplo, alimentam-se fortemente dessas fontes.
Tais blogueiros militares operam sob a agenda maximalista da guerra anunciada originalmente por Putin: a subordinação completa da Ucrânia à Rússia expressa nas senhas da “desmilitarização” e “desnazificação” da Ucrânia. Nessa linha ideológica, não poucas vezes, entram em choque com as narrativas emanadas do Ministério da Defesa russo, criticando o que avaliam como vacilações e inconsistências no planejamento e execução da campanha militar.
No seu exame da campanha russa, Diniz não menciona tais fontes uma única vez, atribuindo as interpretações ocidentais predominantes exclusivamente às informações difundidas pelas agências ocidentais de inteligência. Ignorando as fontes que outros não ignoram, o artigo sugere que a lentidão dos avanços russos no Donbass não indica, necessariamente, que a campanha militar tenha saído dos trilhos planejados por Moscou.
A operação militar especial prossegue de acordo com os planos – a sentença, repetida à exaustão pelo Kremlin até meados de setembro, insinua-se por todo o texto de Diniz. Sua substância, associada à noção de que as avaliações ocidentais fundamentam-se em propaganda de guerra anti-russa, aparece mais claramente numa das conclusões do artigo: “(...) a dinâmica de anúncios exagerados e resultados não obtidos (a ‘contraofensiva ucraniana em Kherson’, propalada desde maio, mas que até o começo de julho não produziu resultado significativo...) sugere um desenrolar mais favorável às forças russas que às ucranianas, em contraste com o alarido midiático” (2022, 50).
“Alarido midiático”?
Diniz, é verdade, baseou sua análise “nas informações obtidas até 7 de julho de 2022”. Mas, também é verdade, fez tabula rasa dos blogueiros militares russos, que já alertavam para fragilidades decisivas das forças russas no leste e nordeste ucranianos. Dois meses depois da data indicada pelo artigo, as forças ucranianas impuseram pesada derrota às forças russas na província de Kharkiv. Novamente, verificou-se uma retirada desordenada, com perdas imensas de material bélico, algo admitido por inúmeros propagandistas que orbitam ao redor do Kremlin. Num intervalo de uma semana, a Ucrânia retomou área várias vezes maior que as de Luhansk e Donetsk conquistadas pelos russos ao longo de cinco meses de guerra de atrito (abril-agosto).
Hoje se sabe que a “propalada” contra-ofensiva ucraniana no sul (Kherson) era, além de uma operação estratégica de longo curso, uma manobra diversionista destinada a preparar a blitzkrieg no nordeste (Kharkiv). O sucesso da contra-ofensiva no nordeste secou o discurso do Kremlin voltado para garantir que a campanha militar percorria as vias planejadas – e, de passagem, impugnou as interpretações principais do texto de Diniz.
O artigo foi, ao que parece, concluído na primeira semana de julho – e desmentido pelos fatos em meados de setembro, dias antes de sua publicação. Nenhum analista deve ser criticado por ausência de poderes premonitórios. Contudo, a devida atenção a fatos conhecidos e informações públicas de fontes diversas seria capaz de evitar que se fizesse eco ao discurso do Kremlin e do Ministério da Defesa russo.
A guerra imperial russa na Ucrânia prossegue – e pode, ainda, se prolongar por tempo indefinido. A Rússia conta com reservas militares maiores que as da Ucrânia, tanto em material quanto em tropas, mesmo quando se inclui na equação a expressiva ajuda ocidental aos ucranianos. Além disso, Moscou aposta na divisão política entre os europeus, pressionados pela crise energética, e pratica uma irresponsável chantagem nuclear. É impossível prever os resultados de um jogo que oscila ao sabor de tantas variáveis diplomáticas, geopolíticas e militares.
A guerra imperial russa na Ucrânia prossegue – e pode, ainda, se prolongar por tempo indefinido. A Rússia conta com reservas militares maiores que as da Ucrânia, tanto em material quanto em tropas, mesmo quando se inclui na equação a expressiva ajuda ocidental aos ucranianos. Além disso, Moscou aposta na divisão política entre os europeus, pressionados pela crise energética, e pratica uma irresponsável chantagem nuclear. É impossível prever os resultados de um jogo que oscila ao sabor de tantas variáveis diplomáticas, geopolíticas e militares. Contudo, a prudência sugere não reproduzir, sob a forma de uma análise independente, as narrativas oficiais russas.
Notas
[1] Transcrição em inglês disponível em http://en.kremlin.ru/events/president/news/67828.
[2] No original: “I would like to emphasise again that Ukraine is not just a neighbouring country for us. It is an inalienable part of our own history, culture and spiritual space.”
Diniz, Eugenio. 2022. “Rússia versus Ucrânia em 2022: tentativa de análise e aprendizado”. CEBRI-Revista Ano 1, Número 3 (Jul-Set): 31-52. https://cebri.org/revista/br/artigo/42/russia-versus-ucrania-em-2022-tentativa-de-analise-e-aprendizado.
Hansler, Jennifer. 2022. “Lavrov walks out of UN meeting as allies slam Russia over Ukraine war”. CNN, 22 de setembro de 2022. https://edition.cnn.com/2022/09/22/politics/un-ukraine-russia-meeting/index.html.
Herz, John H. 1950. “Idealist Internationalism and the Security Dilemma”. World Politics 2 (2): 157-180. https://doi.org/10.2307/2009187.
Kremlin. 2021. “Article by Vladimir Putin ‘On the Historical Unity of Russians and Ukrainians’”. Kremlin.ru, 21 de julho de 2022. http://en.kremlin.ru/events/president/news/66181.
Kremlin. 2022. “Address by the President of the Russian Federation”. Kremlin.ru, 21 de fevereiro de 2022. http://en.kremlin.ru/events/president/news/67828.
Lebelem, Cristiane & Rafael Duarte Villa. 2022. “A guerra russo-ucraniana: impactos sobre a segurança regional e internacional”. CEBRI-Revista Ano 1, Número 3 (Jul-Set): 112-136. https://cebri.org/revista/br/artigo/47/a-guerra-russo-ucraniana-impactos-sobre-a-seguranca-regional-e-internacional.
Mearsheimer, John. 2022. “John Mearsheimer on why the West is principally responsible for the Ukrainian crisis.” The Economist, 19 de março de 2022. https://www.economist.com/by-invitation/2022/03/11/john-mearsheimer-on-why-the-west-is-principally-responsible-for-the-ukrainian-crisis.
Nações Unidas. 1994. Memorandum on security assurances in connection with Ukraine’s accession to the Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons. Budapest, 5 December 1994. Memorandum No. 52241. https://treaties.un.org/doc/Publication/UNTS/Volume%203007/Part/volume-3007-I-52241.pdf.
OTAN. 1997. Founding Act on Mutual Relations, Cooperation and Security between NATO and the Russian Federation signed in Paris, France. https://www.nato.int/cps/su/natohq/official_texts_25468.htm.
Sky News. 2022. Ukraine Crisis: MOD identifies Putin's possible routes of invasion”. Vídeo do YouTube, 0:02:31. 17 de fevereiro de 2022. https://youtu.be/DPfL3ix7QHY.
Recebido: 25 de setembro de 2022
Aceito para publicação: 27 de setembro de 2022
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