Ao completarem 200 anos de relações diplomáticas, Brasil e Reino Unido celebram momento de convergência de visões para o futuro das relações bilaterais e para a manutenção de um sistema multilateral funcional, encontrando correspondências e complementaridades nas mais diversas áreas. Antigamente marcada pela assimetria, a cooperação entre brasileiros e britânicos no século XXI tem superado velhos obstáculos e está prestes a ser elevada ao nível de renovada parceria estratégica. O estabelecimento de metas ambiciosas para os próximos cinco anos tem como objetivos principais aprofundar a sintonia iniciada desde o início dos anos 2000, gerando frutos em áreas cruciais como comércio, investimentos e combate às mudanças climáticas, além de aprofundar o diálogo político e ampliar oportunidades de intercâmbio cultural e acadêmico.
Todos os anos, em meados de junho, Londres é palco de uma série de eventos que buscam soluções para a mudança climática global, com especial ênfase no financiamento de projetos que ajudarão as nações a superar um dos maiores desafios apresentados à humanidade atualmente. Em 2025, os holofotes da London Climate Action Week (LCAW) estiveram voltados para o Brasil, em preparação para as decisões que serão tomadas em Belém durante a 30ª Conferência do Clima (COP30), em novembro. A série londrina de eventos sobre o clima foi especialmente intensa este ano, em grande parte em função do esvaziamento de sua contraparte nova-iorquina, ora em retração provocada pelo afastamento do governo dos Estados Unidos do Acordo de Paris.
Nesse cenário, no qual investidores, personalidades do meio político, cientistas, ONGs e sociedade civil foram convidados a se expressar, o Brasil entrou em sintonia com o governo e o setor privado britânicos. Mais do que isso, passou a mensagem de seguir sendo uma força motriz de respostas criativas para as questões do clima, cumprindo suas responsabilidades no plano multilateral e atuando como pioneiro em ações que poderão servir de modelo a outros países. Com a presença das ministras Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e Sonia Guajajara, dos Povos Indígenas, além do presidente designado da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, o Brasil deixou claro em Londres que os custos de inação serão elevados se não nos engajarmos na luta pela implementação dos acordos climáticos. Explicitou ainda que tal forma de agir está plenamente respaldada pela importância dada pelo presidente Lula ao tema, refletindo os anseios do povo brasileiro.
A LCAW 2025 em muitos momentos teve tons de celebração do Brasil, em ocasião valiosa para que o país pudesse mostrar suas cores. A meu ver, não somente a oportunidade foi plenamente aproveitada, mas pode ser vista como pauta da comemoração dos 200 anos de relações diplomáticas entre o Brasil e o Reino Unido. A convergência nos temas ambientais e climáticos obtida entre brasileiros e britânicos traz bons presságios para a COP30 em Belém. Foi uma demonstração de que países dos chamados “Sul Global” e do G7 não precisam estar em lados opostos de negociações que, afinal, afetarão todo o planeta, especialmente as novas gerações.
A presença do Brasil durante a semana da ação climática em Londres foi além dos eventos oficiais e dos debates substantivos. Um dos momentos marcantes foi a exibição/desfile de moda (re)weaving Amazonia, que apresentou, em um dos pontos mais centrais da capital britânica, King’s Cross, a criatividade do design criado por profissionais da região amazônica, incluindo comunidades indígenas. Roupas e acessórios fabricados de maneira sustentável foram apresentados por meio do projeto Brazil Creating Fashion for Tomorrow, iniciativa liderada por Camila Villas, Lilian Pacce e Marilia Biasi.
Não que a presença da moda brasileira no Reino Unido seja inédita. Pelo contrário, um breve passeio por algumas das ruas de comércio mais famosas de Londres revela como os laços entre o Brasil e o Reino Unido vêm se estreitando também nessa área, de maneiras que fogem à lógica que normalmente orienta as percepções da presença de uma nação sul-americana nas grandes capitais europeias. Ninguém acha estranho um paulistano ir às compras e encher o carrinho de supermercado com produtos da Unilever, abastecer o carro no posto de combustível Shell ou beber uísque escocês produzido numa destilaria do grupo Diageo. Guardadas as proporções em termos de vulto de investimentos e de porte das empresas, nota-se cada vez mais que o Brasil vem ingressando no cotidiano britânico de formas que transcendem o tradicional comércio de commodities, no qual o consumidor final dificilmente sabe a origem do produto que consome.
Na elegante Marylebone High Street, é possível fazer compras na butique carioca Farm (chamada no exterior de Farm Rio), passar pela loja de acessórios e bijuterias Treasures of Brazil e depois comer no Açaí Amazon, sem esquecer do café single origin brasileiro. Na Carnaby Street, no bairro central do Soho, bem próximo a outra unidade da Farm, as sandálias Havaianas são anunciadas em grandes pôsteres de publicidade estrelados pela supermodelo palestino-americana Gigi Hadid. Um pouco mais ao sul, na King’s Road, em Chelsea, além da moda e dos sabores brasileiros, é possível adquirir cosmético da Granado, em uma de suas lojas que emulam a decoração original da centenária casa de perfumaria.
Mostras da presença comercial brasileira no exterior não são uma novidade. A diferença nos últimos anos é a possibilidade de notar como crescem iniciativas dirigidas a consumidores locais, agregadas a certo soft power cultural. É raro encontrar exemplos de outro país do “Sul Global” que alie tais características. Ou, como uma vez declarou Tyler Brûlé, fundador da inovadora revista Monocle, cuja sede também fica em Marylebone, entre os países do BRICS, o Brasil é aquele onde muitos gostariam de viver.
A Monocle, aliás, é outro exemplo do interesse gerado pelo Brasil no Reino Unido. Uma referência de estilo com perspectiva global, a publicação britânica regularmente faz reportagens a respeito de uma nação que demonstra capacidade de combinar informalidade com inovação. Nas oportunidades em que fui entrevistado pela revista, percebi interesse em nossa rara combinação de grande país emergente, com instituições solidamente democráticas, e que, dentro de sua complexidade, apresenta características humanistas, como tolerância e inclusividade.
Em meio ao movimento de expansão global de marcas brasileiras, o Reino Unido tem sido um campo de provas privilegiado. Cabe notar que, nas últimas duas décadas, os contatos entre os países ganharam impulso e hoje passam por momento de promissora convergência. Brasileiros e britânicos jogam do mesmo lado do tabuleiro em temas cruciais da agenda internacional. Além da agenda climática, ressalta-se a valorização do multilateralismo e do Direito Internacional, formando aliança improvável aos olhos de quem está acostumado a antigos desalinhamentos. Em tempos de incerteza e instabilidade, os dois países recorrem às ferramentas da diplomacia e da criatividade na busca de respostas a desafios comuns.
Há de se reconhecer que o caminho nem sempre foi livre de obstáculos. O relacionamento bilateral já passou por momentos difíceis, especialmente no século XIX. Ninguém completa o ensino médio no Brasil sem ouvir falar na notória Questão Christie, que culminou no rompimento formal das relações entre 1863 e 1865. Muitas outras passagens polêmicas estão relacionadas à trágica memória da escravidão e do tráfico de pessoas da África para o continente americano. As intensas relações comerciais e financeiras já foram marcadas por dependência e subordinação. Para além dos altos e baixos dessa trajetória, cabe hoje chamar atenção para a transição em curso, que poderia ser definida como a do fim da “era da assimetria” e da consolidação de uma nova relação entre dois atores de peso regional e influência global.
Em 1825, os contatos entre os dois países eram marcados pela grande diferença de poder e capacidade de projeção, tanto em termos relativos como absolutos. De um lado, a maior potência mundial da época, sede do “império onde o sol nunca se põe”. De outro, uma jovem nação ainda em busca de identidade própria, possuidora de vasto território, mas tateando o plano internacional no exercício de sua soberania. A Independência fora proclamada por D. Pedro I três anos antes e era já considerada fato consumado internamente, além de ser acolhida por outros países do chamado Novo Mundo. Mas isso não era suficiente. Faltava o reconhecimento dos centros de poder na Europa, tanto por motivos políticos como comerciais, essenciais para a viabilização econômica do novo Estado que se formava tentando transcender as dinâmicas coloniais.
Entre esses centros, nenhum era mais importante do que a Grã-Bretanha. O reconhecimento por parte de Londres poderia desencadear movimento que consolidaria a plena inserção do Brasil no concerto das nações. Tratava-se, ainda, de proteção contra tentativas de invasão e outras aventuras neocoloniais extemporâneas.
A manutenção de boas relações era também prioritária para a Corte de St. James. Com estimados 4,5 milhões de habitantes em 1825, o Brasil era então mercado promissor para os bens exportados pelo Reino Unido, cuja população era três vezes maior. O comércio fora impulsionado a partir de 1808 e 1810, com a abertura dos portos e o tratado comercial entre Londres e Lisboa que garantira tarifas preferenciais para os produtos britânicos. As condições excepcionais eram o pagamento pela proteção para a realocação segura da Família Real portuguesa no Rio de Janeiro após as invasões napoleônicas.
O reconhecimento britânico, portanto, dificilmente seria obtido em desacordo com Lisboa. Em momento emblemático da assimetria de poder que então vigorava, a solução encontrada foi o pagamento, por parte do novo Império do Brasil, de dois milhões de libras esterlinas ao Reino de Portugal, a título de indenização. A engenharia financeira foi criativa. O recém-nascido Estado brasileiro não possuía tal montante e precisou buscar financiamento junto aos bancos ingleses. Os recursos nem precisaram sair da Grã-Bretanha.
O intercâmbio comercial foi crescendo ao longo do século XIX. É significativo que o principal artigo da edição inaugural da revista The Economist, em 1843, publicado em primeira página, defendesse a célere renovação do tratado comercial britânico com “os Brasis”, então em vias de expirar. “[Trata-se de] assunto de maior importância que qualquer outro no momento para nosso comércio e, podemos adicionar, para nossa existência social”, dizia o texto, que reportava o quanto as condições tarifárias obtidas no Brasil eram favoráveis aos britânicos quando comparadas àquelas cobradas por outros países, como, por exemplo, os Estados Unidos.
Em meados do século XIX, começaram também os investimentos diretos no Brasil, marcados pela expansão das ferrovias e chegada de bancos financiadores de grandes projetos de infraestrutura e de parte da então incipiente industrialização, representada principalmente pelos projetos do Barão de Mauá. Enquanto os franceses dominavam a exportação de produtos de luxo consumidos pelas elites locais, os britânicos se posicionaram estrategicamente na implementação de avanços tecnológicos mais relevantes para a época, como as máquinas a vapor e os métodos de produção de têxteis.
Na transição entre o fim do século XIX e início do século XX, a presença britânica no Brasil em termos comerciais e de investimentos foi reduzida, sendo paulatinamente substituída pelos Estados Unidos e Alemanha. Porém, a cultura produzida no Reino Unido nunca deixou de ser consumida pelos brasileiros.
Um caso emblemático é o de Machado de Assis. Em meio a um ambiente literário de matriz latina e inclinado à francofilia, ele se distinguia por também conhecer a língua inglesa e incorporar em suas obras influências de Shakespeare e Dickens, além do anglo-irlandês Laurence Sterne, nominalmente citado em Memórias Póstumas de Brás Cubas. Desde que o crítico literário americano Harold Bloom, no início dos anos 2000, incluiu Machado de Assis em sua lista dos cem maiores gênios da literatura universal, seus livros vêm ganhando novos leitores nos países de língua inglesa. Tal fenômeno, verificado com o incremento dos estudos sobre a obra machadiana nas universidades do Reino Unido, pode ser considerado exemplo de “polinização cruzada” entre as culturas britânica e brasileira.
Nas artes visuais, a participação aliada de tropas brasileiras e britânicas na Segunda Guerra Mundial, para além dos relatos oficiais e da cobertura jornalística, ficou registrada por meio da exposição Exhibition of Modern Brazilian Paintings, que percorreu oito museus britânicos no ano de 1944. Ao mesmo tempo que arrecadava fundos para as tropas que lutavam contra o nazi-fascismo, a mostra apresentava trabalhos de alguns dos mais importantes nomes do modernismo brasileiro, como Tarsila do Amaral, Candido Portinari, Lasar Segall, Alfredo Volpi e Roberto Burle-Marx. Em 2025, a exposição Brasil, Brasil!, na Royal Academy of Arts, em Londres, homenageou a iniciativa dos tempos de guerra.
O modernismo britânico também foi acolhido no Brasil, especialmente na forma da obra da escultora Barbara Hepworth. A artista inglesa foi celebrada em terras brasileiras ao vencer o principal prêmio da Bienal de São Paulo de 1959. Sua escultura de bronze Cantate Domino é considerada uma das mais importantes peças do acervo do Museu de Arte Contemporânea da USP.
Outro momento digno de nota se deu na música dos anos 1960. O impacto global dos grupos de rock da “invasão britânica” foi sentido fortemente no Brasil, principalmente nos maiores centros urbanos. As canções dos Beatles e de seus pares influenciaram inúmeros cantores e instrumentistas que, em escala até então inédita, começaram a aparecer em programas de televisão empunhando guitarras elétricas entoando versões em português para os sucessos do hit parade britânico, com direito aos correspondentes penteados.
Houve certa resistência de alas mais conservadoras à chegada do rock britânico. A partir de 1967, artistas como Caetano Veloso e Gilberto Gil desafiaram convenções com o movimento tropicalista, demonstrando como o “iê-iê-iê” (como o pop-rock dos Beatles ficou conhecido no Brasil) poderia ser um dos ingredientes de um experimento artístico que combinaria também ritmos como baião e música caipira para produzir sons novos. Esse era o tempo da ditadura militar no Brasil, que levaria Caetano e Gil ao exílio em Londres, onde compuseram canções marcadas por melancolia e introspecção. A vivência londrina deixou marcas sonoras e líricas em suas obras e os expôs à contracultura e ao multiculturalismo local, inclusive ao reggae, que conheceram a partir de contatos com a diáspora caribenha. A Tropicália foi também abraçada no Reino Unido em sua vertente visual, com as obras de Hélio Oiticica.
Cabe ter presente, por outro lado, que a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), possivelmente o evento do gênero de maior prestígio no Brasil, foi inspirada no Hay Festival, realizado anualmente no vilarejo de Hay-on-Wye, no País de Gales, ao qual compareci no último mês de maio.
Como demonstraram as passagens de exploradores e cientistas britânicos pela América do Sul, o Brasil há muito habita o imaginário britânico, principalmente por meio de sua topografia e natureza exuberante. São célebres as passagens pelo país de figuras como Maria Graham, Richard Francis Burton, Percy Fawcett e Charles Darwin. Burton, talvez o mais renomado dos exploradores da Era Vitoriana, serviu como cônsul em Santos (SP) de 1865 a 1869 e, nesse período, visitou várias partes do Brasil Central e do Nordeste, chegando a descer o rio São Francisco em uma canoa. Também fez duas visitas aos campos de batalha da Guerra do Paraguai, registrando suas aventuras nos livros The Highlands of Brazil e Letters from the Battlefields of Paraguay.
Fawcett, que buscava uma lendária cidade amazônica perdida no território que hoje é o estado do Mato Grosso, desapareceu sem deixar rastro após atravessar o Alto Xingu. Suas aventuras ainda hoje servem de matéria-prima para livros, revistas e filmes, além de terem inspirado o personagem Indiana Jones.
Maria Graham e Charles Darwin também deixaram relatos expressivos de suas visitas ao Brasil. Ambos visitaram o país em datas já posteriores à abolição da escravatura nos territórios do Império Britânico. É impossível dissociar suas visões do contraste relatado entre o deslumbre com a natureza e o choque com a sociedade escravocrata brasileira. Graham, que se tornaria amiga da imperatriz Maria Leopoldina e cronista não oficial da corte carioca, ficou impressionada com a beleza da baía da Guanabara, mas chorou ao ver o Cais do Valongo, o antigo mercado de escravos do Rio de Janeiro.
Darwin desembarcou do veleiro Beagle em Salvador e lá fez sua primeira incursão por uma floresta tropical. Descreveu a visita como um “caos de deleites para a mente”, não sem deplorar, por sua vez, o tratamento recebido pela população de origem africana. Mais tarde, as observações da fauna e da flora na Bahia seriam peças fundamentais para a fundamentação de sua teoria da evolução das espécies.
O legado de Darwin é hoje preservado pelos Jardins Botânicos Reais de Kew, que mantêm colaboração científica com diversas contrapartes brasileiras, em especial o Jardim Botânico do Rio. A instituição londrina atualmente tem como diretor científico o paulista Alexandre Antonelli e possui a maior coleção de espécimes vegetais brasileiras fora do país, reunindo 250 mil plantas, além de rico acervo de gravuras artísticas e material coletado ao longo de três séculos de expedições britânicas.
Merece destaque a parceria na área científica entre Brasil e Reino Unido no âmbito do projeto Amazon Face, programa de pesquisas com objetivo de descobrir como o aumento da concentração de gás carbônico atmosférico afeta a floresta amazônica. Em uma estação de pesquisas próxima a Manaus, criou-se um experimento de campo de grande porte que gera conhecimento sobre o funcionamento da maior floresta tropical do mundo à luz das mudanças climáticas.
Em novembro próximo, o Rio de Janeiro receberá o príncipe William. A cidade foi escolhida pelo herdeiro do trono britânico para a cerimônia de entrega da edição de 2025 dos Prêmios Earthshot, iniciativa por ele concebida para apoiar projetos ambientais inspiradores ao redor do mundo. O evento terá lugar pouco antes do início da COP30, quando as convergências entre Brasil e Reino Unido poderão se desenvolver em benefício de cooperação intersetorial ampla. Ambos os países atuam como facilitadores do consenso na formulação dos novos objetivos de financiamento climático, uma das áreas fundamentais para sustentar ações em prol do planeta sem aumentar o endividamento dos países em desenvolvimento.
Registro, a propósito, o apoio do Reino Unido ao desenho do Tropical Forest Forever Facility (TFFF), mecanismo financeiro concebido pelo Brasil para remunerar, de forma permanente e previsível, países em desenvolvimento que mantêm suas florestas tropicais em pé. No âmbito do financiamento climático, os governos do Brasil e do Reino Unido têm atuado juntos para angariar apoio ao chamado “Roadmap Baku to Belém to 1,3 T”, que pretende viabilizar a mobilização de US$ 1,3 trilhão, até 2035, por ano em fluxos internacionais na área, provenientes de fontes tanto públicas como privadas.
Brasil e Reino Unido estiveram entre os primeiros a apresentar Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês), os compromissos que cada país assume publicamente de reduzir suas emissões de gases causadores do efeito estufa. Trabalhamos juntos para aumentar o nível de ambição de NDCs, incentivando outras nações a apresentarem metas para todas as áreas da economia e todos os gases de efeito estufa.
No plano econômico, segundo dados do Banco Central do Brasil, o Reino Unido responde por aproximadamente 5% do investimento externo direto no país, com estoque que supera US$ 52 bilhões. A JCB, por exemplo, fabricante de máquinas pesadas e equipamentos para construção e agricultura, recentemente expandiu suas operações na unidade de Sorocaba (SP). No setor financeiro, bancos como o Standard Chartered continuam a ampliar suas atividades. No setor de tecnologia, startups brasileiras têm estabelecido parcerias com contrapartes britânicas, especialmente na área de fintech.
Projetos de inovação e sustentabilidade têm impulsionado a colaboração econômico-financeira. Em 2023 e 2024, o Brasil emitiu Títulos Soberanos Sustentáveis na London Stock Exchange. A decisão reflete a credibilidade do Brasil e a atratividade do mercado financeiro de Londres. Verifica-se, assim, que a expertise britânica em títulos verdes, aliada ao potencial brasileiro em energia renovável, cria oportunidades para financiar projetos de baixo carbono.
A cooperação em ciência, tecnologia e inovação inclui exemplos emblemáticos do melhor que brasileiros e britânicos podem fazer quando unem forças em prol de objetivos comuns. Nos primeiros meses da pandemia de Covid-19, em momento de grande ansiedade mundial, o Brasil fez parte do plano de desenvolvimento da vacina elaborada pela Universidade de Oxford com a companhia farmacêutica AstraZeneca. Depois do Reino Unido, fomos o primeiro país a realizar testes clínicos em humanos, iniciando-os em junho de 2020. Posteriormente foram adquiridos insumos farmacêuticos ativos e transferida tecnologia para produção da vacina no laboratório Bio-Manguinhos/Fiocruz.
As assimetrias hoje se diluem. As duas economias estão entre as dez maiores do mundo e são seguidamente chamadas a ocupar lugares nas mesmas mesas de negociação em busca de soluções para os problemas globais, como a do G20. Vibrantes democracias multiétnicas que, ao se observarem mutuamente de forma mais atenta, confirmam o prognóstico feito por Gilberto Freyre em sua obra Ingleses no Brasil: superadas as impressões superficiais, brasileiros e britânicos encontram muito mais correspondências e complementaridades do que se poderia esperar à primeira vista.
Símbolo do início dessa era foi a aproximação promovida, a partir de 2003, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com seus homólogos. É fruto dessa mesma época o apoio público do Reino Unido à aspiração brasileira a assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. A causa segue sendo defendida pelos ocupantes do número 10 de Downing Street, havendo o primeiro-ministro Keir Starmer reiterado o apoio ao Brasil perante a Assembleia Geral da ONU.
Não podemos falar do relacionamento entre Brasil e Reino Unido sem dedicar espaço ao esporte. Marco da moderna colaboração foi estabelecido em 2012, com intuito de transmissão de know how dos Jogos Olímpicos de Londres para a edição de 2016, no Rio de Janeiro. A cerimônia de abertura do evento contou com a presença da presidenta Dilma Rousseff. Na ocasião, o Rio ganhou os holofotes com performances marcantes, como a da cantora Marisa Monte, assinalando assim o início de quatro anos de intensa cooperação entre equipes organizadoras.
Gilberto Freyre já apontava para a fusão representada pelo que se convencionou chamar de futebol-arte, quando os brasileiros deram ao esporte inventado pelos ingleses “curvas e graças de dança, com passos e dribles que seus inventores jamais poderiam ter imaginado”. Isso tornaria o futebol menos britânico? Nem um pouco, defendeu Freyre, para completar que, em sua expressão mais triunfante, o futebol tornara-se um jogo anglo-afro-brasileiro.
A presença da presidenta Dilma em Londres em 2012 ensejou também a inauguração da nova sede da embaixada brasileira, na rua Cockspur. Após ter ocupado prédios alugados por várias décadas, o governo brasileiro investiu na compra de imóvel próprio para sua representação oficial no centro nevrálgico da capital britânica. Atualmente, o prédio passa por extensa reforma, a ser concluída em 2026, para incorporação do consulado-geral ao mesmo endereço.
A importância do relacionamento com o Reino Unido para o Brasil foi mais uma vez demonstrada em maio de 2023, quando o presidente Lula se deslocou a Londres para a cerimônia de coroação do Rei Charles III. Ao comprometimento com o respeito às regras do Direito Internacional, o multilateralismo e os direitos humanos universais, soma-se o compromisso com os avanços sociais e o combate à desigualdade, representados pela adesão tempestiva do Reino Unido à Aliança Global Contra a Fome a Pobreza, lançada pelo Brasil na presidência do G20 em novembro de 2024.
O plano de Parceria Estratégica 2025-2030 inaugurará uma colaboração de médio prazo mais ambiciosa. Entre as novidades estão o estabelecimento de mecanismo de diálogo e coordenação para temas multilaterais, além de trabalho conjunto em prol da construção de um sistema financeiro internacional mais efetivo no apoio aos objetivos de desenvolvimento sustentável estabelecidos pela ONU. Serão também fortalecidas iniciativas de combate ao crime organizado transnacional, assim como educação e treinamento conjunto. Saliento também o lançamento, no segundo semestre de 2025, da Temporada da Cultura Britânica no Brasil e da Temporada da Cultura Brasileira no Reino Unido, com o estabelecimento de calendário conjunto de numerosos eventos artísticos que irão até junho de 2026.
Serão envidados esforços para criação de novo instrumento para diálogo consular, de modo a incrementar a cooperação nos temas que afetam o dia a dia de visitantes e, especialmente, da expressiva diáspora brasileira hoje residente no Reino Unido. A comunidade é estimada atualmente em 230 mil pessoas – a segunda maior na Europa e a quarta maior no mundo. O aumento do público brasileiro que necessita de serviços consulares levou o Itamaraty, em 2022, a ampliar sua rede no Reino Unido e abrir um consulado-geral em Edimburgo, em adição ao consulado-geral em Londres.
Verifica-se hoje como a colaboração entre Brasil e Reino Unido está ocorrendo em áreas que fogem dos estereótipos, como no caso dos sistemas públicos nacionais de saúde. Como é sabido, o sistema único de saúde brasileiro foi inspirado no modelo britânico, o NHS, décadas atrás. Mas agora o modelo do Reino Unido enfrenta desafios na atenção básica e foi encontrar justamente no Brasil, mais especificamente na experiência dos agentes comunitários de saúde, a inspiração para tentar melhorar os serviços prestados à população, especialmente às faixas de menor renda e aos idosos.
Personagens célebres da história brasileira passaram alguns dos momentos mais marcantes de suas vidas no Reino Unido, beneficiando-se imensamente do contato com a cultura, a economia e as ideias geradas pela sociedade britânica. Existe material histórico abundante sobre a vivência britânica de personalidades ilustres da diplomacia brasileira como o Barão do Rio Branco e Joaquim Nabuco. Seus nomes simbolizam uma perspectiva otimista de que a ampliação dos contatos ora em curso possa gerar novas produtivas experiências individuais e coletivas em nossos respectivos países.
Vislumbra-se, portanto, um tempo em que britânicos e brasileiros se beneficiem cada vez mais da “polinização cruzada”. Que a superação da antiga assimetria possa ocorrer de forma natural e criativa, tão bela quanto um gol de João Pedro pelo Chelsea ou uma defesa de Alisson pelo Liverpool; tão cativante quanto uma canção de Lennon e McCartney entoada a plenos pulmões pela plateia do Maracanã.
Encerro esta reflexão sobre o bicentenário das relações Brasil-Reino Unido com mais uma referência a Barbara Hepworth. Seu compromisso com a paz a aproximou do secretário-geral das Nações Unidas Dag Hammarskjöld nos anos 1950. Essa afinidade se traduziria na instalação da escultura Single Form – homenagem póstuma a Hammarskjöld – diante do prédio do secretariado da ONU em Nova York, cujo projeto arquitetônico contou com a participação de Oscar Niemeyer. Essa circunstância em si mesma reflete o compromisso britânico e brasileiro com o multilateralismo e com a paz mundial. Em recente visita a uma retrospectiva da obra de Hepworth, na Fundação Maeght em Saint Paul de Vence, me deparei com uma citação de sua autoria sobre aquela escultura: “esta pedra singular (Single Form) sinaliza nossa aspiração por sobrevivência e segurança. Precisamos superar velhos conceitos de poder, guerra e destruição e adotar em seu lugar outra visão capaz de promover uma construtiva harmonia entre todos os seres humanos”. Trata-se de uma afirmação que se coaduna plenamente com o humanismo a inspirar a política externa brasileira.
Recebido: 19 de setembro de 2025Recebido: 19 de setembro de 2025
Aceito para publicação: 25 de setembro de 2025  
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